Era uma gélida tarde em Cork, na Irlanda, no já longínquo Janeiro de 2011, quando passei em frente a uma loja de jogos usados. Na época eu andava um pouco afastado de videogames, jogando apenas casualmente alguns jogos de futebol como Winning Eleven no meu finado Playstation 2 e um MMORPG chamado Tibia no computador, mas aquela loja exerceu uma atração inexplicável sobre a minha pessoa, de modo que não pensei duas vezes antes de entrar.
Uma paixão por jogos se encontra dentro da minha alma, por mais que se esconda, jamais desaparece completamente. Uma vez gamer, sempre gamer. Só isso explica o que me levou a entrar em uma loja depois de tanto tempo: meu amor por videogames não havia desaparecido com a entrada na adolescência, como eu havia acreditado, e sim se encontrava latente, adormecido. Mas naquela pequena loja irlandesa, havia um item, um objeto, que traria de volta toda a paixão que se encontrava reprimida por anos e mudaria minha vida completamente, alterando para sempre as formas com que eu passaria a gastar meu tempo livre.
Logo na entrada da loja, entre estandes anunciando a pré-venda de Pokémon Black & White (que seria lançado pouco mais de um mês depois), encontrava-se uma preciosidade, uma relíquia que logo evocou sobre mim um sentimento de nostalgia gigantesco. Pokémon HeartGold & SoulSilver, os remakes dos últimos jogos de Pokémon que eu havia jogado, quando ainda era um pirralho com cerca de dez anos de idade. Os remakes de um dos melhores jogos que eu já tinha jogado e do qual só me restava a saudade. Quando eu vi aquele Ho-Oh estampado na caixa do jogo, percebi que minha vida só faria sentido se eu botasse minhas mãos naquele jogo.
Quase todo gamer já teve uma fase na vida, quase sempre por influência de amigos e conhecidos, em que se considera “adulto” demais para jogar algum jogo. Normalmente essa fase acontece na entrada da adolescência, quando outros interesses começam a pipocar e jogos eletrônicos, principalmente os que não tenham violência gratuita ou apelo sexual, passam a ser considerados como passatempos infantis. Quase todo gamer eventualmente supera essa fase e volta a jogar o que quer que seja, normalmente quando se torna um adulto de verdade, e para de se importar com o que as pessoas pensam. Comigo não foi diferente. Foram mais de seis anos sem jogar jogos da Nintendo, porque os considerava “infantis”. Meu último console da Nintendo havia sido um GameBoy Color (embora morresse de inveja dos Nintendo 64 que meus amigos possuíam, principalmente de preciosidades como Banjo Kazooie, Goldeneye 007, Super Mario 64, Majora’s Mask e Mario Kart 64) e meu último jogo da Nintendo, tinha sido justamente Pokémon Gold.
Óbvio que eu sai daquela loja com Pokémon HeartGold e um Nintendo DS em mãos. Mais do que uma das melhores coisas que já fiz, aquela compra representou, para mim, a passagem oficial para a vida adulta. Não mais considerava ou me importava se Pokémon era infantil ou não, pouco ligava do que me julgassem enquanto jogasse, a única coisa que importava para mim, a partir daquele momento, era capturar todos. Assim que cheguei ao hotel, liguei o meu DS para recuperar os anos perdidos e fazer o meu caminho para desafiar mais uma vez o Red no Mt. Silver.
É óbvio que eu fiquei viciado e o jogo me acompanhou pelo resto da minha viagem, sempre aproveitando para joga-lo entre uma atração turística e outra. Não sei se Pokémon HeartGold foi o melhor jogo que já joguei na vida, provavelmente não, mas com certeza foi o mais importante por ter me feito retornar ao mundo dos jogos depois de tantos anos. Após HeartGold, eu só viria a jogar um jogo tão bom de Pokémon anos depois, com Pokémon Y, no final de 2013. O tempo que passei com ele foi tão bom, que 3 anos depois de ter finalizado o jogo por completo, no início de 2014, comprei a outra versão, SoulSilver, só para poder entrar novamente no continente de Johto e reviver toda a jornada até o fatídico confronto contra Red. Essa segunda jogatina serviu para reforçar ainda mais a impressão que eu tinha desse fantástico jogo, pois para mim confirmou-se como uma obra prima.
Sem mais delongas, passemos a análise do jogo.
Pokémon HeartGold é, antes de tudo, um jogo de Pokémon. O que eu quero dizer com essa óbvia afirmação, é que apesar de, para mim, ser o amalgama da perfeição, quem não gosta da série dificilmente gostará deste jogo. Entretanto, para os apaixonados pela franquia, dificilmente existirá melhor jogo de Pokémon do que HG/SS.
Lançados no Brasil em 2 de abril de 2010, as duas versões eram um remake da segunda geração dos monstrinhos de bolso, criados como uma forma de comemorar o aniversário de 10 anos de Gold e Silver, os jogos originais. As mascotes dos remakes eram os mesmos dos jogos em que foram baseados: Ho-Oh, o lendário guardião dos céus (que inclusive é o pássaro visto por Ash no primeiro episódio do anime) e Lugia, o guardião dos mares (protagonista do segundo filme do anime). Ambos os jogos logo se converteram em um sucesso de crítica, sendo consideradas duas das melhores versões de Pokémon já lançadas e somando mais de 13 milhões de unidades vendidas em todo o mundo, com cada uma das versões integrando o ranking de 10 jogos mais vendidos do Nintendo DS.
Não é difícil de perceber a razão do sucesso. HeartGold e SoulSilver proporcionam uma experiência única. São os únicos jogos da série, por exemplo, em que se pode viajar e explorar duas regiões inteiras (Johto e Kanto), além do fato de qualquer monstrinho de bolso que esteja em primeiro lugar na sua party te acompanhar fora da pokébola, e do inusitado acessório Pokéwalker, que permitia continuar a treinar seus Pokémon mesmo enquanto não se estava jogando. Isso tudo sem falar no duelo épico que aguarda o aventureiro que conseguir chegar ao final do jogo, após se conseguir 16 insígnias, vencer a ‘’Elite dos 4’’ duas vezes e escalar até o fim do Mt. Silver.
Os gráficos, como não poderiam deixar de ser, sofreram uma melhora significativa, já que não mais se encontravam freados a limitação gráfica do Gameboy Color. Como todos os jogos anteriores da franquia, HG usa uma visão meio frontal, meio lateral (com uma visão de câmera similar ao belíssimo The Legend of Zelda: a Link Between Worlds, lançado em 2013 para o 3DS) que funciona muito bem ao estilo de jogo. Para alguém que tenha jogado os originais, a melhoria gráfica absurda acaba deixando uma impressão muito forte. Porém deixando o saudosismo nostálgico e a comparação de lado, se percebe claramente que o jogo não se destaca pelos seus gráficos. Sendo o mais justo possível, as cenas de batalhas (tanto os fundos quanto os ataques) são simples e até meio repetitivas. Os cenários do jogo em si, entretanto, são relativamente interessantes, com cidades bem construídas, florestas que realmente se parecem florestas e cavernas que passam uma leve sensação de claustrofobia graças aos seus detalhes. Longe dos gráficos de HeartGold serem feios ou ruins, mas estão bem distantes do melhor que o Nintendo DS poderia oferecer, principalmente nas animações estáticas e repetitivas das cenas de batalhas. Mas tenho de ser justo, algumas cutscenes de momentos especiais do jogo, como por exemplo a aparição de Ho-Oh, são simplesmente belíssimas. De qualquer forma, nunca um jogo de Pokémon se destacou exatamente pelos gráficos, mas sim pelas próximas características das quais falarei agora, começando pela qual talvez seja o destaque de todo o jogo: a sonoplastia.
Eu tenho noção de que muitos jogadores não se importam nem um pouco com o som de um jogo, muitas vezes até desligando-o enquanto joga. Fazer isso durante uma jogatina de Pokémon é desperdiçar uma das melhores coisas que o jogo tem a oferecer. Sério, as músicas e os temas dos jogos da franquia sempre foram conhecidos pela sua qualidade (algumas delas tendo inclusive sendo adaptadas recentemente por uma orquestra sinfônica), sendo, ao menos para mim, um jogo com músicas comparáveis apenas a outra franquia: The Legend of Zelda. E a sonoplastia de HeartGold não deve nada aos demais jogos da série, muito pelo contrário, com temas musicais tão belos que nem sequer sons extremamente repetidos como a música de batalhas contra treinadores comuns, se tornam cansativos. Esses sons e temas musicais representam um poder de atuação imenso, sendo muito responsável por fazer o jogador se sentir na pele do personagem. Graças a eles, por exemplo, que a experiência de batalha contra a “Elite dos 4”, contra Red no final do jogo ou mesmo contra Pokémon lendários, se tornam tão épicos. A sonoplastia quase perfeita de Pokémon HeartGold é uma das maiores, se não a maior, responsável pela experiência incrível que se tem, principalmente nas passagens mais importantes do jogo.
Mas nem só de sons vive um jogo, portanto é preciso falar um pouco da mecânica, sua jogabilidade e sua história. Embora a jogabilidade seja praticamente igual a qualquer outro jogo da série, com os mesmos objetivos pré-definidos de sempre (capturar todos os Pokémon, conquistar as 8 insígnias, vencer a liga), existem algumas pequenas diferenças interessantes que eu já citei antes. Para começar, esse é o único jogo da série (junto do Gold, Silver e Crystal originais) com 16 ginásios em vez de 8, o que permite mais do que 100 horas de gameplay, se incluir todo o pós-jogo. Além de uma nova região (Johto), o jogo inclui a região dos jogos anteriores (Kanto, a região dos jogos FireRed, LeafGreen, Red, Blue, Green, Yellow), para ser explorada ao seu bel prazer, após finalizar a Liga Pokémon ao menos uma vez. Com isso, ele acaba se tornando praticamente dois jogos em um, com uma bela surpresa no final, na qual você parte para desafiar o protagonista anterior, Red, no Mt. Silver.
A história segue o padrão dos demais jogos de Pokémon, em que você assume o controle de uma criança de 10 anos que recebe do professor de sua cidade natal um Pokémon inicial para seguir em uma jornada completamente sozinho pelo continente (porque aparentemente no mundo do jogo as pessoas acham normal e não se importam com uma criança de 10 anos andando sozinha por aí). Para realizar o desejo doentio do seu professor de capturar todos os Pokémon existentes, o protagonista deverá batalhar com diversos Pokémon selvagens (como Zubats infestando carvernas), treinadores aleatórios (como os que acham que um time de seis Magikarps é uma boa ideia), um rival esquentadinho de cabelos vermelhos e líderes de ginásios, seguindo na jornada para se tornar o melhor treinador de todos os tempos.
Notas e considerações finais
Gráficos – 7.5
Podem não serem os melhores gráficos que o sistema poderia oferecer, mas estão longe de serem ruins. Se por um lado as imagens de batalhas são sem graças e repetitivas, por outro as poucas cutscenes são belíssimas e os demais momentos do jogo possuem uma riqueza de detalhes bastante interessante.
Som – 10
Um dos grandes destaques do jogo, reconfirmado a tradição de qualidade sonora da série. Até músicas que se ouve o tempo todo como as de batalhas “comuns” não se tornam repetitivas. Músicas e temas dos momentos especiais então se tornam imensamente responsáveis pelo efeito incrível que proporcionam.
Jogabilidade – 10
RPGs costumam ser conhecidos pela demora e dificuldade dos jogadores se acostumarem com eles, o famoso “pegar o jeito”. Não é o caso de Pokémon. Seguindo o padrão de qualidade da jogabilidade da série, HeartGold não reinventa a roda, mas mantém-se simples e fácil de ser compreendido, com algumas adições interessantes ao gameplay.
História – 9
Equipe vilã tentando se reerguer após ser desmantelada no jogo anterior? Confere. Rival ladrão que na verdade é o filho do ex-líder dessa equipe? Confere. Duelo final épico contra o protagonista do jogo anterior? Confere. A história de HeartGold é simples, mas interessante. E vale a pena deixar uma dica: converse com todos os npcs. Muitos desses lhe dão itens úteis e outros tantos contam coisas interessantes sobre o enredo ou no mínimo algo engraçado e sem noção.
Nota final: 9.1
Veredito:
Essa Máquina do Tempo Especial foi feita pelo nosso leitor Sergio Maia.