Lançado em 2017 para PC e Mac, o game Stories Untold, desenvolvido pela NoCode e distribuído pela Devolver Digital, chegou ao Nintendo Switch em janeiro de 2020 para enfatizar duas coisas: primeiro, o poder da narrativa e ambientação de um game de horror focado em palavras; e, em segundo lugar, a capacidade do console da Big N de ser não somente híbrido e portátil, mas também uma plataforma acolhedora de títulos mecanicamente complexos e até os mais simples.
Caracterizar Stories Untold não é uma tarefa fácil. Por mais que seja reconhecido como um adventure de texto com elementos de horror, o jogo escrito e dirigido por John McKellan é climático – mais que – o suficiente e imerge o jogador em quatro episódios distintos, mas não menos aterrorizantes e surpreendentes, com elementos que mudam a cada escolha textual das ações que somos sujeitos a tomar. Abrir uma porta, subir uma escada ou acender uma luz nos colocam em rápidas mudanças narrativas, não só a fim de surpreender, mas também assustar. E o game faz isso muito bem com elementos visuais e sonoros repentinos – os famosos jump scare. E não se assuste ao iniciar o game e sentir elementos de Strangers Things, série da Netflix.
Jogabilidade
Stories Untold é um game de jogabilidade básica e simples. Não há movimentação, pulo, ataques ou botões de defesa; só é necessário ler e escolher as ações que julgamos as melhores para cada situação em que a história nos insere. Com isso, jogar o título da No Code, também desenvolvedora de Observation, no Nintendo Switch se torna tarefa fácil – principalmente no modo portátil do console. Basta selecionar o texto e esperar pelas melhores escolhas ações possíveis.
Como dito, o game até se encaixa no gênero de adverture textual, isto é, de ficções interativas onde o jogador não controla a inteligência artificial ou personagens do jogo, somente escolhe palavras que caracterizam ações específicas – diferente de games como o clássico Zork, de 1977, em que era preciso digitar as palavras e ações. Aqui, escolhemos caixas de texto com ações pré-definidas, o que não diminui a tensão ou causa grande impacto na jogabilidade, mas torna o jogo mais rápido e dinâmico.
No entanto, as tais pré-definições textuais, como caminhar, abrir uma gaveta, caminhar, entre outras ações, se tornam repetitivas ao longo do jogo. Principalmente se uma das ações escolhidas não causam o resultado esperado – ao “errar” uma escolha, ou seja, escolher uma ação que não resulta em uma consequência, é preciso esperar que a tela te mostre que sua ação não pode ser feita. Com as repetições e escolhas malsucedidas, me senti, em alguns momentos, cansado e disperso da ambientação que estava sendo construída pela narrativa – mas não o suficiente para qualificar o game como um desastre ou ineficiente em questões de jogabilidade.
O que salva a experiência neste ponto é como a NoCode sabe apresentar novas possibilidades mecânicas em Stories Untold. O que começa sendo um jogo em que o jogador seleciona caixas de texto, passa a ser uma jornada de mistério e resolução de quebra-cabeças. Não é só ler e escolher o que fazer, mas sim uma progressão íntima de como elementos que parecem indiferentes se tornam, aos poucos, respostas para perguntas que nos fazemos ao jogar. Essa progressão na jogabilidade ainda abre espaço para novos elementos mecânicos ao apresentar, em seu último episódio, a possibilidade de caminhar e interagir com objetos, quebrando a mecânica inicial proposta e concluindo o game de forma ainda mais atraente.
História
Stories Untold se divide em quatro episódios: The House Abandon, que foi lançado gratuitamente em 2016 e deu origem ao game da NoCode; The Lab Conduct; The Station Process; e The Last Session. Cada episódio insere jogadores em histórias e narrativas únicas. Cada episódio assustador e imersivo de seu próprio jeito.
O primeiro, The House Abandon, abre o game de forma simples e super eficiente. Ao retornar à casa onde passava férias com a família, encontra uma surpresa deixada pelo pai: um computador e a cópia de um jogo que carrega o título do episódio. Ao ligar o aparelho, o terror é acionado, e a narrativa muda drasticamente. O que antes era um lar de esperança e alegria, se torna o covil de um verdadeiro show de horrores. E é nessa mudança que os elementos do terror de Stories Untold inicialmente aterroriza: as lâmpadas queimam, relâmpagos iluminam o quarto do jogo e a tensão cresce através dos textos que aparecem. O curto episódio é a experiência perfeita para aprender não só os comandos básicos, mas como as construções das outras histórias funcionarão: da contextualização simples de onde o jogador está inserido até o clímax tenso e surpreendente.
O padrão também funciona em outros episódios, que sempre carregam surpresas e algumas reviravoltas. A fórmula, diferente de problemas de jogabilidade mencionados, não cansa ou causa algum conflito – na verdade, ansiar pelos próximos capítulos se torna algo natural. Entrar em detalhes seria quebrar tudo que o jogo propõe, afinal, é um game de aventura baseado na ficção interativa. Mas é válido salientar que as histórias, cada uma com sua própria proposta, funcionam perfeitamente. Afinal, apostar em um game narrativo é caminhar em uma linha tênue: se errar em algum momento dessa construção, os jogadores não sairão satisfeitos. Mas aqui, em Stories Untold, a satisfação é completa quando o assunto é a história e as narrativas dos episódios.
Gráficos
Visualmente, o game, assim como sua jogabilidade, é simples. Por se tratar de um jogo de aventura narrativa baseada em escolhas de palavras, não há a necessidade de visuais exorbitantes e complexos. No entanto, mesmo que simplificado, seu visual é essencial na ambientação das histórias contatadas – e é primoroso ver como Stories Untold acerta em conseguir tal fato. O começo estático do primeiro episódio, sem movimentos de câmera, por exemplo, é inundado por sustos através de relâmpagos e luzes que piscam justamente para ressaltar o horror proposto pelo game. E esses fatores nada exorbitantes conseguem assustar através da unificação entre a imersão narrativa e elementos visuais repentinos. Progressivamente, o visual começa a apostar em mudanças ao longo de outras histórias. Ao invés de uma tela parada e luzes que piscam, o jogador vê o game fazer suaves transições de um computador para um experimento, por exemplo, amenizando o desconforto que é a monotonia de simplesmente escolher palavras e esperar por resoluções das histórias. Entretanto, é justo destacar que a iluminação é o grande poder gráfico de Stories Untold. É através dos relâmpagos mencionados, uma luz que falha em uma escrivaninha e as sombras de um laboratório fechado que acertam em cheio em como é possível, visualmente falando, destacar um game simples meio aos avanços tecnológicos de outros títulos da indústria. Histórias, jogabilidade, gráficos e trilha sonora progridem e se unem perfeitamente para imergir e entregar uma experiência única em Stories Untold.
Trilha Sonora
Por falar em trilha sonora, cabe aqui ressaltar mais um acerto da desenvolvedora No Code. Além de elementos visuais que remetem à década de 1980, a própria trilha sonora do game, quando posta à prova, cumpre seu papel e ressalta, ainda mais, a ambientação das histórias do game e as temáticas dos episódios através de música e efeitos sonoros. Enquanto notas suaves em 8-bits amplificam o horror do primeiro episódio do jogo, o silêncio musical abre alas para os ruídos sonoros de um laboratório com máquinas em outro, transformando, de modo simples, os efeitos sonoros em música. Uma aposta que funciona perfeitamente ao longo do game, que além de apresentar histórias únicas, porém algumas vezes conectadas, também decide se transformá-las meio à mudanças de jogabilidade e de formatos musicais.
Veredito
Desenvolvido pela No Code e distribuído pela Devolver Digital, Stories Untold é uma série episódica baseada em narrativas surpreendentes repletas de quebra-cabeças, tensão, sustos e constantes progressões que satisfazem todos os desejos dos fãs de jogos de horror. Há elementos nostálgicos em suas histórias, visual, mecânica e até na trilha sonora – todos pontos que se encaixam de forma simples, mas que fazem o curto título se tornar algo maior. Lançado em 2017 para PC e Mac, o game chega ao Nintendo Switch em 2020 para mostrar que a plataforma híbrida da Nintendo se torna, cada vez mais, a casa de games dos mais diferentes tipos – incluindo, desta vez, um jogo inicialmente de aventura textual com temáticas de horror e suspense, além de várias progressões. O jogo triunfa cada passo que dá, mas por ser muito curto, deixa um gosto amargo no final – afinal, o “gostinho de quero mais” fica após a conclusão do título, mas não há mais o que fazer a não ser repetir as histórias.